O Titanic das boas intenções
No filme “O Senhor da Guerra” o personagem representado por Nicholas Cage afirma que o maior traficante de armas do mundo é o presidente dos Estados Unidos. A frase tem um peso imenso e faz sentido na narrativa do filme. No entanto, tal afirmação acaba se perdendo na memória, com a exposição de mais acontecimentos e informações que o público vivencia no seu cotidiano.
As questões ambientais também passam por esse processamento na mente de milhões de pessoas espalhadas pelo mundo. Ninguém discorda da importância do ambiente em nossa sobrevivência. Ficamos chocados quando ocorre algum desastre ambiental, como o do ano passado nos Estados Unidos, com o vazamento de petróleo no mar e que se estendeu para os estuários. O que restou em nossa “tela”? Talvez tenha ficado um ícone minimizado, disputando espaço com tantas outras coisas que nos atraem...
O conceito de “Desenvolvimento Sustentável” é precioso: desenvolvimento capaz de atender as necessidades atuais, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das gerações futuras. Idéia recheada de boas intenções, mas sujeita ao mesmo naufrágio de tantas coisas importantes na mente das pessoas.
E os esquimós com isso?
Os esquimós tinham uma cultura intimamente relacionada à condições do seu ambiente. Aprenderam a utilizar os recursos do ambiente e a sobreviver em condições de extrema dificuldade. O escritor Hans Ruesch, em seu livro “No país das sombras longas” mostra uma família de esquimós com seu modo de vida tradicional. Em certos trechos causa perplexidade para quem tem uma cultura totalmente diversa. Um desses pontos é quando o chefe da família cumpre o ritual desse povo em relação à própria mãe.
Aquela senhora já não podia mais contribuir com o grupo familiar, pois não enxergava o suficiente para fazer roupas ou outros objetos e não tinha dentes, usados como verdadeiras ferramentas de trabalho. Com a comida escassa e mais filhos para criar, tinha chegado o momento em que os idosos davam sua contribuição para o grupo, agora de uma nova maneira: seu filho a conduzia para um local distante e ali ela era deixada sozinha. Aguardava então a chegada do grande urso polar; ela sabia que sua carne iria alimentar a carne do urso, que seria caçado e forneceria alimento e pele para seus filhos e netos; assim, ela se manteria junto aos seus familiares.
Com o tempo, os esquimós foram entrando em contato com os membros da cultura ocidental. Todos os seus valores foram revirados e seu modo de vida passou por uma grande transformação. Os esquimós receberam então os “benefícios” do homem branco, como armas de fogo. Passaram a caçar não apenas para atender suas necessidades de sobrevivência, mas para comercializar com o mundo dos brancos. O dinheiro começou a fazer parte do seu dia-a-dia e com eles puderam comprar coisas que desconheciam e pelas quais desenvolveram grande simpatia. Décadas de adoção desse novo estilo de vida geraram um grave problema ambiental, pois os esquimós, mais equipados e com seu conhecimento do ambiente, tornaram-se caçadores implacáveis, provocando uma imensa redução de animais da região, como ursos, focas e alguns cetáceos.
Com essa nova situação foram proibidos de caçar, a única “profissão” que tinham aprendido desde remotos tempos. Passaram a receber uma espécie de salário dos governos das regiões onde viviam. Essa “aposentadoria” foi considerada humilhante, pois eram um povo brioso e fazia parte de seu modo de vida, literalmente lutar pela sobrevivência. Muitos se entregaram ao alcoolismo. Nova manobra governamental: só poderiam comprar álcool em locais determinados, sem levar a bebida para casa e isso durante algumas horas do dia. Então, os esquimós passaram a beber o máximo que podiam no tempo e no lugar determinados...
Marginais ambientais?
Talvez alguém considere que esse povo teve que ser sacrificado por algo maior que é a salvação de muitas espécies locais; afinal, os esquimós se mostraram ineptos para lidar com o equilíbrio ecológico. Bem, isso significaria que o chamado homem branco é um bom gerenciador das questões ambientais? Vejamos o que aconteceu em escala mundial: a poluição é tida como uma das causas do aquecimento global, que afeta regiões polares e suas proximidades, ou seja, o lar dos esquimós e dos ursos polares. O derretimento do gelo destrói o habitat do urso, uma espécie que se vê ameaçada de extinção. Ocorre que o urso polar alimenta-se de focas, as quais comem peixes. A redução da população de ursos polares provoca elevação do número de focas e, conseqüentemente, a redução de cardumes, afetando a pesca.
Essa interferência humana atual certamente não é o que poderia ser considerado como “Desenvolvimento sustentável”, mas o modo de vida tradicional dos esquimós era perfeitamente sustentável.
Manter coisas importantes na nossa “tela” pessoal já é uma atitude de mudança.